Com a aprovação do projeto, o governo fica autorizado a demitir centenas de servidores que trabalham nestas fundações. Caso também seja confirmadas as extinções da Superintendência de Portos e Hidrovias (absorvida pela Superintendência do Porto de Rio Grande), da Companhia Riograndense de Artes Gráficas (Corag) e Produção e Pesquisa em Saúde (Fepps), que ainda não foram votadas, cerca de 1,2 mil servidores devem ser demitidos.

A sessão do segundo dia de votação das medidas do pacote do governo de José Ivo Sartori (PMDB) para conter a crise financeira do Estado começou às 16h15 e, durante quase 12 horas, discutiu apenas o projeto de lei que previa em apenas um texto a extinção de seis fundações estaduais.

Foto: Vanessa Vargas/PT SulSeis instituições completamente distintas, em origens, atividades, modelo de funcionamento, mas que o governo inseriu no pacote como justificativa única para extinção. O projeto de lei foi colocado como prioridade do governo na ordem do dia, depois que inversão de pautas foi aprovada na reunião de líderes. Questionado se a pressa em votar a questão das fundações era por causa do clima tenso na Praça da Matriz, com ações da Brigada Militar contra servidores, o líder do governo, Gabriel Souza (PMDB), negou.

Para evitar a votação em bloco, que colocaria todas as fundações em processo de extinção com um voto, deputados do PDT, articulados com a oposição e alguns parlamentares do PTB, PV e Rede começaram a apresentar emendas para tentar garantir a votação analisando caso a caso. O objetivo das propostas era tentar salvar algumas das fundações. O PDT chegou a protocolar um substitutivo que sugeria a criação da Fundação de Comunicação e Cultura do RS, unindo Fundação Piratini, Ospa, Theatro São Pedro e Instituto de Tradições Gaúchas Folclóricas (ITGF).

No total, 14 emendas ao Projeto foram apresentadas. Duas delas de autoria do líder do governo, três do deputado João Reinelli do Partido Verde, uma do Bombeiro Bianchini do PPR, uma de Regina Becker Fortunati, da Rede, e 7 assinadas pela bancada do PDT.

Mesmo com a apresentação de emendas, o governo ainda mantinha requerimento de preferência do texto. Ou seja, o texto do PL poderia ser aprovado antes que as emendas fossem discutidas, por maioria. Uma vez aprovado, ele esvaziava a maior parte das emendas e manteria a votação em bloco. As extinções das seis fundações seriam definidas em apenas um voto.

Enquanto o deputado Enio Bacci (PDT) trabalhava para convencer colegas a rejeitar o requerimento que mantinha votação em bloco, pedindo que casos fossem apreciados em separado e de maneira aprofundada; o deputado Tiago Simon (PMDB), defendeu a proposta do governo dizendo que “país está quebrado por esses aí que vocês estão aplaudindo”, em referência ao Partido dos Trabalhadores.

Perto das 21h, o Plenário votou a favor do texto do governo por 28 a 24. Seguiu-se então a discussão de três emendas restantes e, durante a madrugada, apenas duas emendas foram mantidas. A emenda 1 (aprovada por 31 votos a 20), de autoria de João Reinelli (PV) e Gabriel Souza, determinando que a extinção da Fundação Zoobotânica somente será implementada após a efetiva assunção dos serviços prestados pela Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável que os executará direta ou indiretamente; e a emenda 3 (aprovada 32 votos a 20), proposta por Gabriel, Frederico Antunes (PP) e outros cinco parlamentares do PTB, definindo que os valores arrecadados com a alienação de imóveis ou produtos das fundações serão utilizados nas áreas de saúde e segurança pública.

Deputada Regina Becker chora ao defender Fundação Zoobotânica | Foto: Guerreiro | Agência ALRS
Durante toda a madrugada, os deputados da oposição, somados à parte dos parlamentares do PDT, alternavam-se no palanque para postergar do texto base do projeto, pedindo a todo momento revisão do quórum, e tentando, em vão, defender a manutenção das fundações no palanque. Emocionada, a deputada Regina Becker Fortunati (REDE), que leva a causa dos animais como bandeira de seu mandato, chorou diante da iminência da extinção da Fundação Zoobotânica.

No fim, próximo às 4h, o governo conseguiu aprovar a extinção coletiva das fundações. Apesar de forte rejeição do PDT, partido da base que entregou apenas dois votos favoráveis (Vinícius Ribeiro e Gilmar Sossella) entre sete deputados, o governo conseguiu colher no PTB três votos importantíssimos para a aprovação do projeto: Maurício Dziedricki, Sérgio Moraes e Aloísio Classmann.

Do lado de dentro da Assembleia, vaias dos servidores das fundações que permaneciam nas galerias aguardando o seu destino, aplausos de poucos apoiadores e silêncio, ainda que momentâneo, dos deputados – um pedido de um minuto de silêncio feito por Adão Villaverde (PT) não foi respeitado. Do lado de fora, choros, abraços e consternação entre os servidores que ainda permaneciam na Praça da Matriz após um longo dia de manifestação e ações violentas da Brigada Militar para acompanhar a votação em um telão.

Servidor reage à confirmação da extinção de fundações | Foto: Luiz Damasceno/Mídia Ninja
“Extinguir as fundações é a rendição do Estado. O governo é um deserto de políticas e está levando o Estado para uma condição submissa de se desfazer do seu patrimônio e de sua inteligência”, disse Villaverde, marcando o tom da crítica da oposição ao projeto.

Extinção da Fepagro e FIGTF

Na sequência, os deputados passaram então a apreciar o PL 240, que trata daa extinção da Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (FIGTF) e a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro). A proposta prevê que as atribuições e competências da Fepagro passarão a ser desempenhadas pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e irrigação, enquanto as da FIGTF passarão para a Secretaria da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer.

Após mais quatro horas de discussões, com os deputados contrários alertando, especialmente, para a importância da pesquisa desenvolvida pela Fepagro para a agricultura gaúcha, o projeto foi aprovado por 29 votos a favor e 23 contrários.

Logo na sequência, a presidente da Casa, deputada Silvana Convatti (PP), declarou encerrada a sessão por falta de quórum, permaneciam apenas 26 deputados. Uma nova sessão foi convocada para às 14h para continuar a votação do pacote de Sartori, que ainda tem mais de 20 medidas para serem apreciadas.

Servidores da Fepagro vaiam decisão da Assembleia | Foto: Vinicius Reis/AL-RS
A Brigada na AL: “Cadê a ata?”

Na tarde de terça-feira (20), os servidores estaduais contrários ao pacote, que ocupavam o lado direito das galerias, em um momento da sessão em que se ouvia barulho de bombas do lado de fora, puxaram o coro: “Ô Silvana, cadê a ata?!”. Perto do fim da tarde, o cheiro do gás lacrimogêneo sendo lançado na Praça da Matriz por ação da Brigada Militar chegou a dominar o Plenário.

A ata questionada pelos servidores é a mesma que o deputado Jeferson Fernandes (PT) vem pedindo na tribuna desde a sessão de segunda-feira (19). Logo no início do primeiro dia de votação, o deputado petista denunciou no microfone do Plenário que um documento estaria correndo entre os deputados coletando assinaturas para autorizar a entrada da Brigada Militar na Casa. Os Batalhões de Choque e Operações Especiais começaram policiamento ostensivo no entorno e dentro da AL ainda antes do início da votação do pacote, porém, deputados da base e da oposição dizem desconhecer qualquer tipo de acordo que autorizasse a presença da Brigada no local. A autorização da entrada da BM no espaço da Assembleia tem que ocorrer através de um acordo de mesa. E o documento deste acordo não foi apresentado.

“A Presidência ontem, em público, havia prometido a entrega dessa ata e se ela não existe, a presidente Silvana [Covatti, PP] mostra que está completamente dominada pelo governo, o que é muito perigoso. Porque o Poder Legislativo, em que pese a maioria aqui ser do lado do governo, as regras constantes no regimento tem que ser cumpridas à risca. Independente de quem seja o presidente”, declarou Jeferson.

De passagem pelo Plenário, nesta terça, para tratar de emendas à algumas das propostas relativas à segurança pública, o secretário da pasta, Cezar Schirmer, confirmou que a presença da polícia militar no Legislativo é um pedido da própria Casa. “A Brigada está ali para não deixar invadir o Parlamento, a pedido da Presidente da Assembleia Legislativa. O governador falou comigo por telefone e pessoalmente para preservar a essência do Parlamento, que é sua capacidade de decidir livremente sobre qualquer assunto”, disse Schirmer a jornalistas.

O secretário confirmou ainda que a ordem da Secretaria é fazer de tudo para impedir que a Assembleia seja “invadida”. Segundo ele, isso manteria “a democracia do Parlamento”. Na tarde desta terça, além do gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral, a BM usou também balas de borracha para reagir contra os manifestantes. Pelo menos três pessoas ficaram feridas.

Jeferson disse que buscou mediar a situação de tensão, junto ao seu colega de bancada Nelsinho Metalúrgico, e que o próprio comandante da BM responsável pelas ações na região da AL afirmou que com espaço liberado nas galerias, a tensão na rua diminuiria. “Ele próprio recomendando que nós convencêssemos a maioria aqui dentro, por que não usar as galerias laterais? Mas, infelizmente, a Casa está subordinada ao Piratini, subordinada ao vice-governador e às federações e temos esse estado de sítio. Isso aqui é típico de ditadura”, afirmou o deputado.

Ele chegou a levantar a questão na tribuna, mas não houve mudança por parte da Presidência da Casa.

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Foto: Luiz Damasceno / Mídia Ninja
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