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Sindicalistas reagem à criminalização de atos da greve do dia 14 e pedem ação da CCDH
A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia deliberou hoje (10), em audiência pública, pela elaboração de dossiê com os detalhes do confronto ocorrido no dia 14 de junho, em Alvorada, durante as manifestações da greve geral, a ser encaminhado ao governador Eduardo Leite, Ministério Público e Defensoria Pública, assim como à Justiça Militar. O episódio resultou em grave ferimento no olho de policial militar que está sendo atribuído aos grevistas, o que é refutado pelos participantes e também através de imagens que destacam a ação violenta promovida pelo comando da Brigada Militar no município metropolitano.
A audiência pública foi requerida pelo deputado Jeferson Fernandes (PT) e acompanhada pelas deputadas Sofia Cavedon (PT) e Luciana Genro (PSOL). Tanto o policial ferido no episódio, as entidades corporativas e o comando da BM foram convidados a participar, mas não compareceram.
No Espaço da Convergência, no térreo do Palácio Farroupilha, reuniram-se o presidente estadual da CUT, Claudir Néspolo; o presidente do Sindicato dos Municipários de Alvorada, Rodinei Rosseto; o presidente do Sindimetrô, Luis Henrique Chagas; a ex-deputada Stela Farias; o advogado Elias Cabreira, assim como os manifestantes Egídio Tavares, Rafael Melo, Vitório Trovão e Cleusi Coelho, cujos relatos indicam o abuso praticado pelos policiais, como encarceramento nas dependências da empresa Soul, em Alvorada, e perseguição de moto por policial, com ferimentos graves, e a utilização de “arma medieval”, uma espécie de relho com uma bola de concreto na ponta. Outros sindicalistas, como Haroldo Brito, da CTB; Pablo Mesquita, da UGEIRM/Sindicato; e Paulo Ferreira, da Federação dos Comerciários (Fecosul), também participaram dos relatos.
Depois da exposição do vídeo daquela madrugada, que mostra a movimentação tanto dos grevistas quanto dos policiais na frente da garagem da Soul, aqueles que foram vítima da ação violenta informaram detalhes do movimento dos policiais. Eles alegam que se distanciavam da garagem quando os policiais passaram a jogar bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta, para dispersar. Os depoimentos indicam que o ferimento do policial não poderia ter sido provocado por uma pedrada e apontam para possível estilhaço das granadas e bombas de gás, inclusive uma delas teria caído no interior da garagem. Segundo eles, o ato violento foi promovido pelos policiais, que dispararam as bombas e no vídeo é possível identificar o momento em que o policial ferido sai da fileira e entra no prédio da Soul, flagrante que o manifestante aprisionado lá dentro também presenciou.
Representando a Fecosul, o presidente do Sindicomerciários Viamão, Paulo Ferreira, também deu seu relato sobre os excessos cometidos pela Brigada no dia 14 de junho em Viamão.
“A Brigada foi conduzida pelo comandante de Viamão, no ato em frente da garagem. Estavam preparados para bater nos trabalhadores. Não tivemos o direito de realizar a greve. As ordens vinham do comando geral do governo Leite e do seu vice-governador, que mesmo sendo chefe da Segurança Pública não fez nada para amenizar, dando aval para bater nos trabalhadores”, relatou. Além disso, contou que professoras, aposentados e estudantes foram empurrados e ouviram coisas impróprias dos próprios oficiais presentes. “Estavam a serviço da empresa de ônibus de Viamão”, declarou Ferreira.
Excessos da polícia em Alvorada
O advogado Elias Cabreira, de Alvorada, que também conversou com o comandante da BM, Mario Ikeda, relatou que este se refere à violência do ferimento do policial atingido no olho, “teria sofrido um impacto tão grande que alguma coisa penetrou no globo ocular e machucou a parte interna”, demonstrando que “algo foi arremessado com muita força” e atribuiu o feito a um dos militantes, o que o advogado refuta. “Para tal violência, a pessoa deveria estar muito perto”, observou Cabreira, pois naquele momento todos tinham recuado em direção ao posto de gasolina. Esses detalhes constam da representação encaminhada à Justiça, onde também está registrada a versão dada pelo comando da BM que, de início, comunicou à imprensa o ferimento do soldado dizendo que o objeto não havia sido identificado e, mais tarde, em nova versão, passa a acusar os grevistas. Assim como os outros depoentes, também o advogado chamou a atenção para os excessos que os policiais têm praticado em Alvorada.
O presidente estadual da CUT, Claudir Néspolo, alertou para a crescente criminalização dos movimentos sociais, fato que destacou o Rio Grande do Sul durante a greve geral, com esse episódio. “As forças atuaram fora da lei”, ponderou o sindicalista, que na véspera da paralisação esteve reunido com o vice-governador, Ranulfo Vieira, e as demais forças do Estado, tratando justamente da atuação policial durante a greve. Mas não foi o que aconteceu, lamentou Néspolo, pois além de Alvorada, também na Avenida Bento Gonçalves os grevistas foram perseguidos com jatos de água gelada, e em Viamão, a polícia de choque manteve ostensivo acompanhamento pelas ruas em que os manifestantes, tanto trabalhadores quanto mulheres e estudantes, se deslocaram. Além da prisão de estudantes no início da manhã daquela sexta-feira, também o advogado deslocado pelos movimentos sociais recebeu voz de prisão.
Caso de “sabotagem” na Trensurb
Outro caso abordado pela audiência pública foi o afastamento de seis funcionários do Trensurb, acusados de “sabotagem” porque foram surpreendidos caminhando pela linha do trem. Conforme explicou o presidente do Sindimetrô, Luis Henrique Chagas, a greve tinha especial importância para mobilizar a população a respeito dos malefícios da reforma da Previdência. Por essa razão, o sindicato cuidou para utilizar táticas que preservassem a segurança dos metroviários e ativistas. Mesmo assim, os seis acusados foram incriminados e afastados sem qualquer abertura de processo interno.
A deputada Luciana Genro acompanhou o episódio como advogada e parlamentar, uma vez que em Porto Alegre um grupo de estudantes foi preso na madrugada do dia 14. E em Alvorada um dos seus assessores, Cleusi, sofreu agressão praticada por policial que o perseguiu de moto e agrediu, quando os manifestantes dispersavam da frente da garagem da empresa de ônibus SOUL, o local que registrou maior violência policial e ganhou repercussão nacional, uma vez que os manifestantes foram acusados pela Brigada Militar do ferimento no olho do policial. Ela destacou que “é preciso investigação para identificar o culpado, seja quem for”. Ela já esteve em audiência com o comandante da BM, Mário Ikeda, para esclarecer essa acusação, “temos a convicção de que esse ato de violência não partiu dos manifestantes”. Nesse encontro, o comandante solicitou a formalização da denúncia.
Novo protocolo para manifestações
Conforme o encaminhamento dado pelo deputado Jeferson Fernandes, um grupo de trabalho com os gabinetes das deputadas Luciana Genro e Sofia Cavedon vai finalizar o dossiê a ser encaminhado ao governador Eduardo Leite, ao Ministério Público Estadual, Defensoria Pública Estadual, ao MPF e também Defensoria Pública Federal, assim como à Justiça Militar e Tribunal de Justiça. O deputado pondera que do exemplo da desocupação do Lanceiros Negros, que resultou num novo protocolo a ser cumprido pelos brigadianos nessas ocasiões, da mesma forma é preciso formular um protocolo específico para as manifestações.
Sofia Cavedon entende que o direito de greve está sendo ameaçado e, por isso, é preciso dar um entendimento diferente “para preservar a democracia”.
Outra providência será a solicitação à empresa Soul das imagens das câmeras daquele dia e os laudos médicos do atendimento ao policial. Também à Trensurb será solicitada manifestação a respeito dos procedimentos adotados em relação aos funcionários punidos.
Presenças
Sem quórum para deliberar, a reunião ordinária desta quarta-feira (10) registrou a presença dos deputados Sérgio Peres (PRB), presidente; Airton Lima (PL), vice-presidente; as deputadas Luciana Genro (PSOL) e Sofia Cavedon (PT); Issur Koch (PP); e Dirceu Franciscon (PTB).