Depois de mais de 10 horas de debates e votações, a Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (22/09), o texto-base do PL 4.302/98, do ex-presidente FHC, que permite a terceirização em todas as atividades da empresa. Foram 231 votos a favor, 188 contrários e oito abstenções. O projeto vai à sanção presidencial.
O PL tramitou no Congresso por 19 anos. Como o texto, aprovado pela Câmara em 2015, enviado ao Senado (PC 30/15), sob a relatoria do senador Paulo Paim (PT-RS) não contemplou as demandas do governo, do mercado e sua bancada empresarial sacaram o projeto que foi aprovado. Compreenda o que foi aprovado pelo plenário.
Terceirização geral e irrestrita
O PL 4.302/98 regulamenta a terceirização sem limites, nas esferas públicas e privadas. Apesar de não fazer menção expressa, a matéria não proíbe a terceirização da atividade-fim da empresa. Assim, todas as modalidades de terceirização serão aceitas (artigo 4º-A inserido pelo artigo 2º).
Quarteirização
O projeto aprovado permite expressamente que a empresa terceirizada subcontrate outras empresas para “contratar, remunerar e dirigir os trabalhos de seus empregados” (artigo 4º-A inserido pelo artigo 2º).
“Pejotização”
O texto permite que também que a pessoa física contrate serviços terceirizados. Por meio da “pejotização” muitos empregadores rurais deixarão de contratar diretamente os trabalhadores, assumindo encargos empregatícios, para forçar que se constituam como pessoas jurídicas. Essa “pejotização” já acontece atualmente em poucas profissões, mas tem sido considerada pela Justiça do Trabalho uma fraude. O projeto legaliza e amplia a “pejotização” para todos os setores da economia (artigo 4º-A inserido pelo artigo 2º).
Responsabilidade subsidiária
A responsabilidade da contratante será subsidiária e não solidária. Isso significa que o trabalhador somente poderá acionar a empresa tomadora de serviços após executar a empresa terceirizada (artigo 5º-A inserido pelo artigo 2º).
O texto foi alterado para determinar a responsabilidade solidária (que existia na versão da Câmara) para subsidiária.
Administração Pública e trabalho doméstico
O projeto possibilita a terceirização irrestrita na Administração Pública e no trabalho doméstico (artigo 19-B inserido pelo artigo 2º).
Trabalho temporário
Os serviços contratados não precisam mais ser extraordinários. A demanda pode ou não ser previsível. O objeto não seria mais por excesso de serviço, mas por demanda complementar, pode ser previsível ou não, de natureza periódica ou sazonal – serve para qualquer da empresa.
O projeto ampliou o prazo do contrato, sem prévio acordo ou convenção coletiva da categoria, que passa de 90 para 180 — prorrogável por até 90 dias. Esse prazo pode ser consecutivo ou não. Ou seja, o indivíduo pode virar “ping-pong” sendo disponibilizado para diferentes empresas a depender da vontade da empresa, sem nunca conseguir formar vínculo fixo com qualquer delas.
Greve
O projeto abre um precedente perigoso para permitir que lei autorize a contratação de trabalho temporário para substituir trabalhadores em greve.
Negociado sobre o legislado
Finalmente, o texto aprovado admite que acordo ou convenção coletiva possa dispor de outros prazos daqueles definidos na lei — é a prevalência do negociado sobre o legislado. Prevê ainda que o período do contrato temporário possa ultrapassar os 260 dias.
Em resumo, tudo que foi aprovado irá flexibilizar ainda mais a legislação trabalhista e trazer mais precarização para as relações de trabalho. Veja alguns dados sobre a terceirização!
Salários menores, jornadas maiores
Um estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), revela o cenário tormentoso das terceirizações no Brasil. Com dados de 2013, o estudo mostra que os terceirizados recebem salários 24,7% menores que aqueles dos efetivos, permanecem no emprego pela metade do tempo, além de ter jornadas maiores.
Com a terceirização geral e irrestrita haverá maior risco de acidentes laborais, calotes trabalhistas e exposição a condições degradantes ou análogas à escravidão nas subcontratações. Embora os defensores da terceirização sustentem que a medida possa reduzir custos para empresas sem afetar os direitos dos empregados, a matemática do patronato não parece fazer sentido. “Se eu pago determinado valor ao funcionário e coloco um intermediário nessa relação, não tem como ficar mais barato sem perdas para o trabalhador. A empresa prestadora de serviço evidentemente visa o lucro. O trabalhador só custará menos com arrocho salarial e supressão de direitos”, alerta Ângelo Fabiano Farias da Costa, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT).
Perda do direito às férias
“A terceirização promove perda do direito às férias (pela alta rotatividade das prestadoras de serviço), redução de salário, aumento da jornada e consequente aumento do número de acidentes de trabalho e doenças profissionais”, afirma a juíza Valdete Souto Severo, diretora da Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul, em recente artigo publicado pelo site Justificando.
Não se trata de exagero retórico. Na Justiça do Trabalho, sobejam exemplos dos efeitos nocivos causados pelas terceirizações. Embora a subcontratação das atividades-fim esteja proibida pela legislação vigente, na prática ela ocorre em muitos setores.
Maior risco de acidentes laborais
No setor elétrico, o número de acidentes fatais envolvendo terceirizados chega a ser até dez vezes superior àquele dos efetivos. Dados extraídos dos relatórios anuais da Fundação Coge, que congrega mais de 70 empresas públicas e privadas de energia elétrica, não deixam margem para dúvidas:
Os problemas não se restringem ao setor elétrico. Na exploração de petróleo, os terceirizados têm cinco vezes e meia mais chance de morrer em um acidente de trabalho do que os efetivos. Segundo a Federação Única dos Petroleiros, de 2003 a 2012, foram registrados 110 óbitos de terceiros contra 20 mortes de trabalhadores efetivos da Petrobras. Na percepção de procuradores do trabalho, o fenômeno repete-se na construção civil, responsável por mais de uma morte por dia no País.
Aumento do trabalho analógico a escravidão
Os terceirizados são mais vulneráveis ao trabalho degradante. Vitor Araújo Filgueiras, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e pesquisador da Unicamp, analisou os dez maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão do Brasil e constatou que 90% dos flagrantes ocorreram em empresas subcontratadas para a prestação de serviços. “Há fortes indícios de que terceirização e trabalho escravo estão intimamente relacionados”.
Para o presidente da Fecosul e CTB RS, Guiomar Vidor, a generalização do PL aprovado busca desestruturar os direitos dos trabalhadores e favorecer o setor empresarial, com claro objetivo de aprofundar a exploração. Vidor defende que somente com oposição e resistência será possível travar a onda de retrocessos. “Vamos resistir nas ruas, denunciando e desmascarando este congresso conservador e traidor do povo. A sociedade brasileira não pode aceitar este retrocesso, não uma sociedade que busca um desenvolvimento pautado pela igualdade de direitos, pela distribuição de renda e inclusão social, articulados com a valorização do trabalho”, declarou.
Neste sentido, Vidor convoca toda sociedade para participar, amanhã (24/03), da Audiência Pública sobre a reforma trabalhista, às 9h, no teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa do RS. Após audiência haverá uma grande marcha em protesto contra aprovação da PL e contra as reformas da previdência e trabalhista que também estão na mira do governo de Michel Temer.
Assessoria de Comunicação Fecosul com informações do DIAP, DIESSE e Carta Capital