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Deputada bolsonarista quer acabar com a infância legalizando o trabalho infantil
Após dez anos na gaveta, a presidenta da Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ), da Câmara dos Deputados, Bia Kicis (PSL), bolsonarista de carteirinha, quer retomar a análise uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 18, de 2011, que permite o trabalho a partir de 14 anos de idade.
O texto está pautado para ser votado nesta terça-feira (9), na CCJ. Caso seja aprovado pode ser levado ao plenário da Casa para votação.
Desde o golpe de 2016, os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras vêm sendo atacados com medidas como as reformas Trabalhista de 2017, do ilegítimo Michel Temer (MDB-SP), e a da Previdência, em 2019, de Jair Bolsonaro (ex-PSL). Agora, os aliados do governo querem colocar em risco o direito das cranças de estudar, se desenvolver para enfrentar os desafios da vida adulta.
Como disse o Papa Francisco, o trabalho infantil é um flagelo que fere o desenvolvimento harmonioso das crianças.
Na última quarta-feira (3), a CCJ votou um requerimento de retirada da proposta da pauta. Dos 50 parlamentares que compõem a comissão, apenas 19 deputados votaram sim, pela retirada da proposta; 30 votaram não, permitindo que a PEC do trabalho infantil vá adiante.
A proposta é repudiada pelo secretário de Relações de Trabalho da CUT Nacional, Ari Aloraldo do Nascimento, e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
A Coordenadora Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do MPT, Ana Maria Villa Real, acredita que esta proposta tem apoio do governo federal.
Embora não afirme, a suspeita da procuradora pode estar amparada nas declarações de Jair Bolsonaro ( ex-PSL). Em várias ocasiões, o presidente defendeu o trabalho infantil, dizendo coisas como “deixa o moleque trabalhar. Molecada quer trabalhar, trabalha”.
Bolsonaro se referiu ao caso de um menino de Catalão, em Goiás, que quis comprar um relógio de presente de Dia dos Pais para o tio, que ele considera como pai. O dono decidiu não cobrar pelo relógio e disse ao menino que continuasse trabalhando. “Deus tem projeto na sua vida, que Deus vai te fazer um grande homem e que o trabalho dignifica”, falou o dono, que foi convocado pelo Ministério Público do Trabalho a prestar esclarecimentos.
Em uma live, Bolsonaro disse: “Deixa o moleque trabalhar. Eu trabalhei, aprendi a dirigir com 12 anos. Molecada quer trabalhar, trabalha. Hoje, se está na Cracolândia [em São Paulo], ninguém faz nada com o moleque”.
Para a procuradora do MPT, além da discriminação com a pobreza, já que há o discurso da direita de que menores de idade de baixa renda, oriundos de famílias pobres tendem à criminalidade é recorrente, há interesse de empresários em acabar com a aprendizagem.
“A proposta é uma falsa oportunidade para os jovens de famílias pobres”, afirma Ana Maria.
“Como o Estado não tem política pública voltada para eles, quer que sustentem suas próprias famílias. Um trabalho mecanizado, sem oportunidade de aprendizado só vai aumentar a evasão escolar que subiu de 1 milhão, em 2019, para 5 milhões este ano”, acrescenta.
A procuradora defende o programa jovem aprendiz que determina que empresas de médio e grande porte contratem um número de aprendizes equivalente a um mínimo de 5% e um máximo de 15% do seu quadro de funcionários cujas funções demandem formação profissional. O jovem tem contrato especial de trabalho assinado e deve cursar o ensino fundamental ou médio.
“Por trás desta PEC , está o esvaziamento da aprendizagem profissional, com a transferência da responsabilidade do Estado para o adolescente de baixa renda. O trabalho tem impacto na educação e a aprendizagem faz que o adolescente frequente a escola, porque isso é uma exigência do programa. Essa proposta libera o trabalho infantil, sem contrapartida da criança estar na escola ”, diz a procuradora do MPT.
Ana Maria lembra que o Brasil é signatário da convenção nº 138 da Organização Mundial do Trabalho (OIT), na qual se comprometeu a aderir à política de elevação da idade mínima do trabalho, e elevar progressivamente a idade mínima coincidindo com a escolaridade obrigatória. E como o ensino obrigatório no Brasil vai da educação básica ao médio, de 4 a 17 anos, então, a idade mínima para o trabalho deve coincidir com essa faixa etária.
“Essa permissão de trabalho infantil, sem qualificação profissional, que não obriga o adolescente a ir à escola, vai impactar no rendimento escolar, e só a educação quebra o ciclo da pobreza”, destaca Ana Maria.
Para o secretário nacional de Relações de Trabalho da CUT, Ari Aloraldo, o governo Bolsonaro e seus aliados tentam mais uma vez, com a desculpa de empregar os jovens, como no programa da Carteira Verde e Amarela, não aprovado pelo Congresso, resolver a crise do desemprego abrindo vagas precarizadas e que não atendem as necessidades de milhões de desempregados.
“Um adolescente de 14 anos ainda está se formando física e intelectualmente. Ele tem de estar na escola, se preparando para ter uma profissão e uma vida mais digna. A desculpa de que pela proposta esse jovem irá trabalhar meio período se choca com o fato de que as vagas que poderão ser oferecidas não ajudarão na qualificação profissional dele”, critica Ari.
Outro fato que coloca a CUT em posição contrária à PEC, é que mais uma vez serão os filhos dos pobres e desempregados que irão buscar no mercado de trabalho um mínimo de sustento que deveria ser provido pelo Estado.
“Bolsonaro acabou com o Bolsa Família, cujo requisito para os pais receberem era a criança frequentar uma escola. Não é o filho do juiz, o do militar de alta patente e do presidente da República, que vão ocupar essas vagas sem qualidade. Eles podem começar a trabalhar aos 30 anos e já ganhando bons salários, porque seus pais são privilegiados e pudarem oferecer uma educação de qualidade e uma boa alimentação. Coisa que hoje no Brasil se tornou raridade, com 19 milhões de pessoas passando fome”, diz o dirigente.
O trâmite da PEC 18/2011
A PEC do trabalho infantil, de autoria do ex-deputado Dilceu Sperafico (PP-PR), chegou a ser arquivada, mas em 2019 foi desarquivada. À época, o atual ministro da Cidadania, então deputado, João Roma, como relator, se posicionou contra, mas agora Bia Kicis retoma a proposta.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) debateu o tema da redução da idade para o trabalho no Brasil nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2096. Nela a Confederação Nacional da Indústria (CNI) pedia a inconstitucionalidade da Emenda 20/1998, que aumentou a idade mínima do trabalho de 14 para 16 anos.
O então ministro Celso de Mello, ao proferir o voto condutor que levou à improcedência, por unanimidade, da ação que pedia a inconstitucionalidade da Emenda n. 20/1998, acentuou, com propriedade, que impor o trabalho a pessoas com menos de dezesseis anos para afastar o adolescente pobre da marginalização e da delinquência seria sacrificar o melhor interesse da criança com o fim de preservar a paz e a segurança jurídica.
Assinalou que essa equivocada visão de mundo , além de fazer recair sobre a criança e o adolescente indevida e preconceituosa desconfiança motivada por razões de índole financeira, configura manifesta subversão do papel constitucionalmente atribuído à família, à sociedade e ao Estado, a quem incumbe, com absoluta prioridade, em relação à criança e ao adolescente, o dever de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
“Essa PEC fere a infância, transfere a responsabilidade do Estado de ter políticas públicas para a criança sustentar sua família”, conclui a procuradora do MPT.
Manifesto contra a redução da idade mínima para o trabalho, elaborado pela Rede Nacional de Adolescentes e Jovens do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Comitê Nacional de Adolescentes na Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (CONAPETI), já tem mais de mil assinaturas. A ideia é entregar o manifesto para os parlamentares.
Câmara está fazendo uma enquete sobre a PEC 18. Todos podem votar contra essa medida nefasta. Basta acessar o link da enquete e votar.
Os números do trabalho infantil no Brasil
Segundo a CONAPETI, a faixa etária que mais sofre acidentes de trabalho é de 14 a 17 anos, com 28.536 casos. Os adolescentes que trabalham também são os que mais deixam as salas de aulas. Em 2019, segundo o IBGE, a evasão escolar foi quatro vezes maior entre que trabalham.
96,6% da população total de crianças e adolescentes, de cinco a 17 anos, é formada por estudantes, enquanto entre os trabalhadores infantis a estimativa é de 86,1%. A diferença é mais evidente no grupo etário de 16 e 17 anos. Enquanto 85,4% da população total nessa faixa etária frequentava a escola, somente 76,8% dos adolescentes em situação de trabalho infantil estudavam.
Outro dado revelador das condições precárias de trabalho de crianças e adolescentes é que em 2019, havia 1,768 milhão de crianças e adolescentes de cinco a 17 anos em situação de trabalho infantil, o que representa 4,6% da população (38,3 milhões) nesta faixa etária.
A maior concentração de trabalho infantil está na faixa etária entre 14 e 17 anos, representando 78,7% do total. Já a faixa de cinco a 13 anos representa 21,3% das crianças exploradas pelo trabalho infantil.
Confira aqui como votaram os deputados.
O voto Não, na verdade significa votar a favor de dar continuidade ao projeto de trabalho infantil. O sim é para barrar a PEC.
PSL – 7 vagas
Titular
Bia Kicis (PSL-DF) –votou Não
Carlos Jordy (PSL-RJ) –votou Não
Caroline de Toni (PSL-SC) –votou Não
Daniel Freitas (PSL-SC) –votou Não
Vitor Hugo (PSL-GO) –votou Não
Suplentes que votaram
Alê Silva (PSL-MG) – votou Não
Coronel Tadeu (PSL-SP) – votou Não
PP – 5 vagas
Titulares
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) –votou Sim
Hiran Gonçalves (PP-RR) –votou Não
Marcelo Aro (PP-MG) –votou Não
Margarete Coelho (PP-PI) –votou Sim
Pinheirinho (PP-MG) –votou Não
Suplentes do PP não votaram
PSD – 5 vagas
Titulares
Darci de Matos (PSD-SC) –votou Não
Edilazio Junior (PSD-MA) –votou Não
Fábio Trad (PSD-MS) –votou Sim
Suplentes que votaram
Delegado. Éder Mauro (PSD-PA) –votou Não
DEM – 4 vagas
Titulares
Bilac Pinto (DEM-MG) –votou Não
Kim Kataguiri (DEM-SP) –votou Não
Leur Lomanto Jr. (DEM-BA) –votou Não
Suplentes do DEM não votaram
MDB – 4 vagas
Titulares
Márcio Biolchi (MDB-RS) –votou Não
Suplentes do MDB que votaram
Rogério Peninha (MDB-SC) –votou Não
PL – 4 vagas
Titulares
Capitão Augusto (PL-SP) –votou Não
Giovani Cherini (PL-RS) –votou Não
Magda Mofatto (PL-GO) –votou Não
Sergio Toledo (PL-AL) –votou Não
PSDB – 4 vagas
Titulares
Lucas Redecker (PSDB-RS) –votou Sim
Samuel Moreira (PSDB-SP) – votouSim
REPUBLICANOS – 4 vagas
Titulares não votaram
Suplentes que votaram
Cap. Alberto Neto (REPUBLICANOS-AM) –votou Não
Luizão Goulart (REPUBLICANOS-PR) –votou Não
PSC – 1 vaga
Titular
Paulo Martins (PSC-PR) – votou Não
Suplente não votou
PTB – 1 vaga.
Nenhum deputado do partido votou, nem suplente, nem titular.
PDT – 4 vagas
Titulares
Félix Mendonça Jr (PDT-BA) – votou Obstrução
Pompeo de Mattos (PDT-RS) – votou Sim
Subtenente Gonzaga (PDT-MG) – votou Não
Suplentes do PDT
Túlio Gadêlha (PDT-PE) – votou Sim
PODEMOS – 2 vagas
Nem titulares, nem suplentes votaram
SOLIDARIEDADE – 2 vagas
Nem titulares, nem suplentes votaram.
AVANTE – 1 vaga
Titular
Greyce Elias (AVANTE-MG) –votou Não
CIDADANIA 1 vaga
Titular
Rubens Bueno (CIDADANIA-PR) – votou Sim
PATRIOTA – 1 vaga
Titular
Pastor Eurico (PATRIOTA-PE) – votou Não
PCdoB – 1 vaga
Titular
Orlando Silva (PCdoB-SP) – votou Sim
PROS – 1 vaga
Nem titulares, nem suplentes votaram.
PV – 1 vaga
Titular
Enrico Misasi (PV-SP) – votou Não
PT – 7 vagas
Titulares
Gleisi Hoffmann (PT-PR) –votou Sim
José Guimarães (PT-CE) –votou Sim
Maria do Rosário (PT-RS) –votou Sim
Patrus Ananias (PT-MG) –votou Sim
Paulo Teixeira (PT-SP) –votou Sim
Rui Falcão (PT-SP) –votou Sim
Suplentes
Reginaldo Lopes (PT-MG) – votou Sim
PSB – 4 vagas
Titular
Gervásio Maia (PSB-PB) –votou Sim
Suplente
Bira do Pindaré (PSB-MA) –votou Sim
PSOL – 1 vaga
Titular
Fernanda Melchionna (PSOL-RS) –votou Sim
NOVO – 1 vaga
Titular
Gilson Marques (NOVO-SC) –votou Não
Foto: Walter Companato / Agência Brasil
Fonte: Rosely Rocha com edição de Marize Muniz – CUT Brasil