A vice-presidente da Anamatra, Noemia Porto, participou nesta segunda-feira (19/3), de audiência pública na Subcomissão Temporária do Estatuto do Trabalho (CDHET) para debater a organização sindical, a negociação coletiva e o direito de greve. Em sua fala, a magistrada destacou, entre outros pontos, os aspectos relacionados ao direito de greve. “Desde 1998, a Organização Internacional do Trabalho tem se articulado em torno de quatro princípios considerados fundamentais para uma agenda de trabalho decente mundial: a liberdade sindical, a autonomia para negociação coletiva, o combate aos trabalhos forçado e infantil e a igualdade no trabalho”.
Sobre o direito à greve, como um direito de expressão legítima de resistência, Noemia Porto ressaltou ser, ainda, objeto de incompreensões públicas. “Talvez isso ocorra porque a sociedade brasileira não se desenvolveu observando como tradição a reivindicação nas ruas, diferente de outras sociedades, como a francesa. Há quase um medo generalizado e inconsciente dos protestos, pois nota-se que, por vezes, sequer os trabalhadores se solidarizam com os outros trabalhadores em greve. Daí quem precisa da greve não compreende quando ela é usada por outra categoria”, disse.
A vice-presidente também relevou que a greve no Brasil ainda não alcançou o patamar de respeito que os direitos fundamentais merecem, e lembrou que este é um direito que ocupa, de forma central, os dispositivos da Constituição, se encontra inserido no contexto dos direitos fundamentais, e está dentro de uma segurança jurídica que não permite, sequer, emenda constitucional para restrição. Ainda criticou as referências que se fazem às greves políticas, como um direito condenável, e não possível. “Não faz sentido essa condenação, na perspectiva constitucional. Os trabalhadores podem deflagrar greves de solidariedade, de protesto, política ou reivindicatória. A greve, em termos constitucionais, não se justifica, apenas, para buscar aumento salarial”.
A magistrada afirmou que, mesmo diante da vasta legislação que ampara a greve, ainda se diz muito pouco sobre isso. Historicamente, o direito de greve foi considerado crime em alguns momentos, e foi severamente ignorado e até reprimido antes da Constituição de 1988, que “surge como instrumento mais elevado do direito paredista na ordem jurídica do país. Mas o advento de um texto constitucional não encerra as demandas em torno dos direitos; permanece bastante atual no debate os elementos de identificação da greve como direito e não como ilícito ou mera tolerância. O uso da força, a falta de solidariedade com os movimentos grevistas, e a repressão às manifestações lembram regimes autoritários anteriores que já deveriam ter sido superados pelo advento da era democrática”.
Em sua fala, a vice-presidente reforçou que “a greve, como instrumento eficiente que se pretende, para colocação da demanda coletiva, deve incomodar. Greve sem incômodo, sem prejuízo, silenciosa, sem visibilidade, sem palavras de ordem, simplesmente não é greve”. Quando se observam tantas restrições ao exercício do direito de greve, desafia-se a refletir sobre qual memória do direito é ativada nessas ocasiões: se da greve como direito, ou da greve como delito.
Já no caso do serviço público, destacou que há uma grande oportunidade sendo perdida. “A oportunidade de se diminuir os movimentos paredistas, com a implementação de uma legislação eficiente voltada à negociação coletiva, com regras claras, pré-definidas, e de conhecimento de todos os envolvidos. Essa oportunidade foi bloqueada quando o governo vetou o projeto de lei que estabelecia normas para negociação coletiva no serviço público”.
Por fim, destacou ser necessário denunciar “o uso ilegítimo das forças do Estado contra os cidadãos, quando fazem uso do direito de greve, que é um direito fundamental, tradução do direito de resistência. Para um Estatuto do Trabalho que seja próprio do mundo do trabalho democrático, devem estar fortalecidos os mecanismos da negociação coletiva e do exercício do direito de greve”.
Estatuto do trabalho – O grupo de trabalho da Subcomissão, vinculada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, foi criado para aprofundar o debate sobre a reforma trabalhista com vistas a criação do Estatuto do Trabalho. O objetivo é analisar as sugestões da sociedade para a elaboração de um anteprojeto. Em outra frente, a subcomissão também realiza audiências públicas e diligências pelas diferentes regiões do país.
Fonte: Anamatra