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Governo Bolsonaro dinamita mundo do trabalho e põe o Brasil de joelhos

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Carta Capital – Nenhuma decisão capaz de reanimar a economia, nenhum plano emergencial para enfrentar o desemprego colossal, nenhuma estratégia para enfrentar a turbulência internacional crescente. Este é o saldo entregue por Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, após oito meses de governo que parecem oito anos, dada a quantidade imensurável de desatinos.

É desnecessário o governo alertar agora para o risco de paralisia da máquina administrativa por falta de dinheiro quando se sabe ser este o resultado inevitável das decisões tomadas em relação à economia. Encabeça a longa lista de estragos causados ao País, com apoio da mídia e de parte do Judiciário, a dilapidação ou venda de suas principais empresas, Petrobras e Embraer à frente, e a alienação acelerada a preços de fim de feira de riquezas como o pré-sal, relíquia planetária com custo de extração que, constata-se agora, pode cair abaixo dos 6 dólares.

Não satisfeito, o governo ameaça privatizar a Petrobras e na quarta-feira 21 anunciou um lote um tanto mequetrefe de 17 empresas públicas colocadas a leilão, entre elas Serpro, Dataprev, Casa da Moeda, Ceagesp, Ceasaminas, CBTU, Companhia Docas do Espírito Santo, Telebras, Correios, Eletrobras e Companhia Docas do Estado de São Paulo. Boa parte não é atrativa para o setor privado. Outra está longe de preparada para um processo de venda. Nas privatizações, é importante lembrar, ativos públicos só trocam de dono sem gerar um centavo de investimento novo ou uma escassa vaga de emprego, mas leva embora patrimônios nacionais inestimáveis quando o comprador é estrangeiro.

Mascate de bens públicos, sonegador de dados e projeções e incapaz de apresentar um plano econômico consistente, Guedes, apesar de não entregar outro resultado além de dilapidações e arrochos, resolveu testar a paciência e a credulidade alheias ao pedir um prazo “de um ano ou dois” ou até mesmo “quatro anos” para seus truques darem certo, além de minimizar os efeitos locais de uma eventual recessão global.

A combinação de austeridade e reformas não deu certo, demonstram os números da economia. O fracasso parece, no entanto, ter subido à cabeça do ministro, que insiste nos erros e abusa da tolerância da ampla maioria de empresários excluída das benesses das privatizações e enfrenta dificuldades com a estagnação das vendas e dos 3,35 milhões de desempregados que procuram trabalho há no mínimo dois anos. Acrescente-se ao último contingente os 4,9 milhões de desalentados que desistiram de buscar ocupação, em grande medida por causa da demora para encontrá-la, e os 7,4 milhões de subocupados, que necessitam trabalhar mais horas e não encontram oportunidades.

O governo comemora com alarde qualquer redução do desemprego, mas os números do IBGE esfriam o entusiasmo: o preço da queda da taxa de desocupação de 12,7% para 12% entre o primeiro e o segundo trimestres foi a diminuição da remuneração e o aumento da precarização.

O número de trabalhadores por conta própria cresceu 1,6% no período, para 24,1 milhões de indivíduos e, segundo o jornal Valor, 42% deles recebem o equivalente a menos de um salário mínimo por mês. Os empregos com carteira assinada, diz o IBGE, avançaram mero 0,9%, para 33,2 milhões, enquanto a parcela sem carteira assinada subiu 3,4%, para 11,5 milhões, no mesmo período.

Reprodução Carta Capital
Um anúncio falso de oferta de empregos atraiu uma multidão em Niterói/foto: reprodução

As estatísticas acima significam enorme pressão baixista adicional sobre os salários, que caíram 16% em alguns setores nos últimos cinco anos, de acordo com o IBGE. O porcentual daqueles com renda até 89 reais por mês no Rio de Janeiro aumentou 10,4% entre 2018 e 2019, mostra o Cadastro Único do governo para identificar famílias de baixa renda. Não por acaso, um falso anúncio de empregos atraiu uma multidão em Niterói na sexta-feira 16. A compressão dos salários e dos benefícios pagos às famílias impulsiona a desigualdade que, de acordo com estudo da Fundação Getulio Vargas, cresce sem parar há 17 meses, ou mais de quatro anos.

O arrocho salarial resulta em grande medida da situação criada com a “imposição, pela reforma trabalhista de 2017, de um arcabouço jurídico regressivo aos trabalhadores baseado na retirada de direitos e que consolidou um quadro de desproteção ao trabalho, repressão violenta a greves e protestos e intimidação de lideranças”, segundo a Organização Internacional do Trabalho, ligada à ONU, que anunciou a inclusão do Brasil, ao lado do Zimbábue, na lista dos dez piores países do mundo para a classe trabalhadora no Índice Global de Direitos.

Fabio Rodrigues Poezzbom/ABR
Ele pediu um a dois anos, talvez quatro, para mostrar resultados.Um dos resultados da situação trágica do mercado de trabalho é a queda ou estagnação das vendas e, nesse quadro, não há motivo para o empresário investir em ampliação de capacidade e geração de empregos, pois mal consegue vender o que produz. Diante da retração do investimento privado, ensina a história econômica, a única alternativa para recuperar o dinamismo é o Estado tomar a iniciativa. Não é o que se vê por aqui, apesar da menor taxa de investimento na construção civil desde o fim dos anos 1940, segundo cálculo do economista Paulo Morceiro, da USP. O setor é o maior gerador de empregos e deveria receber atenção especial de um governo efetivamente preocupado com a situação do mercado de trabalho.

A economia brasileira está de joelhos, mostra uma fartura de dados. “Infelizmente, não há nada a ser comemorado quanto ao desempenho da economia na primeira metade de 2019”, descreve um estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Entre maio e junho houve queda de 1,6% no setor de serviços, 0,6% na indústria e estagnação no varejo.

Há possibilidade de declínio do PIB no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2018, alerta o indicador IBC-BR do Banco Central, que funciona como uma aproximação do PIB e mostra queda de 0,13%, o que tecnicamente aponta uma recessão. “Mesmo que o desempenho melhore na segunda metade do ano, o crescimento do PIB em 2019 tende a ser ainda menor do que muitos esperavam”, prossegue a análise do Iedi.

O déficit da balança comercial da indústria não para de crescer e saiu de 9,6 bilhões de dólares no primeiro semestre de 2018 para 12,7 bilhões no mesmo período deste ano, sob efeito da guerra comercial EUA-China e da crise da Argentina. As exportações do setor caíram 5,4%, “algo que não ocorria desde 2016”, prejudicando o saldo comercial e contribuindo para o quadro recessivo. As importações regrediram 0,6%.

A crise da Argentina levou a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores a rebaixar a projeção de exportações de veículos, de 590 mil unidades em 2018 para 450 mil. As vendas externas de soja deverão cair dos 88 milhões de toneladas em 2018 para 72 milhões neste ano, prevê a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais.

Diante da intensificação da crise mundial evidenciada na piora das exportações e da conturbação e insegurança jurídica permanentes alimentadas pelo governo, os investidores estrangeiros retiraram 19 bilhões de reais da Bolsa de Valores desde janeiro. Na terça-feira 20, o dólar permanecia na faixa dos 4 reais, em consequência da piora do panorama internacional, da crise argentina e da imprevisibilidade do governo.

O Ibovespa oscilava em torno de 99,4 mil pontos, abaixo dos 100 mil pontos que funcionaram como número mágico para investidores e a família presidencial durante o curto período do “efeito manada” da confiança irrestrita das instituições financeiras no governo do ex-capitão. É preciso considerar que o Ibovespa não reflete a contento a economia real por ser “ineficiente e enviesado, muito concentrado em setores que representam apenas pequena parcela do PIB e enormemente baseado no humor do investidor estrangeiro, que entra e sai do País de acordo com suas crenças pessoais sobre seu próprio país e o que acham que o nosso país é”, descreve um relatório da Orbe Investimentos.

Bolsonaro insiste, no entanto, em piorar o quadro sombrio e permite-se a extravagância de “rasgar dinheiro”. Foi o que fez quando provocou a suspensão de 288 milhões de reais de recursos sem ônus, 133 milhões da Noruega e 155 milhões da Alemanha, depositados no Fundo da Amazônia, com ofensas a estes países. Não satisfeito, usou uma fake news para criticar a Noruega por extrair petróleo e caçar baleias (postou um vídeo da prática na Dinamarca).

Ele sugeriu ainda que os alemães usassem o dinheiro para reflorestar o seu próprio país. Ataques de Bolsonaro ao monitoramento de queimadas feito pelo mundialmente conceituado Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e às reservas indígenas transformaram-no em pária internacional, situação com potencial suficiente para prejudicar as exportações.

O risco gerou reação de empresários como o presidente da Suzano, Walter Schalka, que defendeu a preservação da floresta, e de Blairo Maggi, notório ruralista, que disse temer que o discurso de Bolsonaro leve o agronegócio, principal setor econômico nacional, à “estaca zero”. O presidente da Associação Brasileira do Agronegócio, Marcello Brito, diretor-executivo da Agropalma, declarou que para constatar o desmatamento basta ir até Belém ou Manaus e “assistir de camarote”.

Na mídia europeia, grande importadora de alimentos, pipocam sugestões de boicote à aquisição de soja e carne do Brasil. O acordo UE-Mercosul, assinado a contragosto por Bolsonaro, corre risco de não ser colocado em prática, devido, inclusive, à resistência da França e da Alemanha.

Os erros do governo custarão caro ao País, ainda mais no contexto de um provável retrocesso global. Os indícios de colapso amplo aumentam e até o fechamento desta edição eram nove os países à beira da recessão no cômputo do jornal Washington Post. A lista começa pela maior economia da Europa, a Alemanha, e inclui Reino Unido, Itália, México, Argentina, Cingapura, Coreia do Sul, Rússia e Brasil. A Organização Mundial do Comércio prevê desaceleração das trocas internacionais.

O ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos Lawrence Summers calcula em 50% as chances de seu país entrar em recessão nos próximos 12 meses. O crescimento da China se manterá estável , segundo projeção de junho do Fundo Monetário Internacional, que atualizou a estimativa anterior de variação do PIB no ano de 6,3% para 6,2%, um feito que implica, no entanto, perda adicional para o Ocidente, cujo dinamismo está atrelado ao avanço chinês contínuo nas últimas décadas.

Quais seriam os prováveis desdobramentos da estagnação acentuada desde 2017 pela guerra comercial declarada por Donald Trump contra a China de Xi Jinping? O momento grave marcado por subordinação do conjunto de todas as atividades ao setor financeiro desregulado, a queda crônica de investimentos produtivos, o aumento e a perenização do desemprego, o crescimento incessante da desigualdade, a elevação do risco de um colapso climático e de conflitos militares têm levado diferentes especialistas a cogitar desdobramentos que vão de uma crise múltipla ao choque de civilizações e, no extremo, ao colapso do próprio capitalismo.

As principais economias desenvolvidas lideradas pelos Estados Unidos “caminham como sonâmbulos em direção à guerra” com sua insistência em políticas fiscais e monetárias insustentáveis desde a crise financeira de 2008, com consequências destrutivas para os países em desenvolvimento, alertaram ex-dirigentes da cúpula do Banco de Compensações Internacionais, o banco central dos bancos centrais, em debate na Suíça no ano passado. Hervé Hannoun, ex-gerente-geral-adjunto, e Peter Dittus, ex-secretário-geral do BIS, argumentam que “o atual modelo econômico construído sobre o crescimento insustentável da dívida, da inflação de preços dos ativos, da corrida armamentista e das emissões ilimitadas de carbono chegará ao fim” com um choque múltiplo: financeiro, militar, político e ambiental.

O diagnóstico do economista especialista em desenvolvimento Peter Nolan, professor da Universidade de Cambridge e um dos maiores conhecedores do processo chinês, tem semelhanças com o balanço feito por Hannoun e Dittus na caracterização de uma crise de múltiplos aspectos entrelaçados e alerta para a possibilidade de um conflito global polarizado entre os Estados Unidos e a China.

Segundo o sociólogo Wolfgang Streeck, diretor emérito do Instituto Max Planck, da Alemanha, a crise atual é preâmbulo de um colapso do próprio capitalismo, perspectiva que ele aborda em coletânea de textos seus e dos respeitados cientistas sociais Immanuel Wallerstein, Randall Collins, Michael Mann, Georgi Derluguian e Craig Calhoun intitulada How Will Capitalism End? “Minha visão se baseia nos cinco colaboradores, mas difere da visão de cada um deles.

Todos concordam que há uma grave crise do capitalismo e da sociedade capitalista como uma indicação de que ele iniciou um período de profunda indeterminação, em que coisas inesperadas podem acontecer a qualquer momento”, dispara Streeck. Para que o declínio do capitalismo continue, diz, não é necessária nenhuma alternativa revolucionária ou plano-mestre de uma sociedade melhor que o substitua. O capitalismo contemporâneo está desaparecendo por si mesmo, entrando em colapso por contradições internas, e não menos em consequência de ter vencido seus inimigos, que frequentemente o resgataram, forçando-o a assumir uma nova forma.

Aquém das perspectivas apresentadas acima, o curto prazo acena com o prosseguimento da guerra comercial, dada a dificuldade, apontada por vários economistas, de viabilizar a pretendida recuperação da autonomia industrial dos Estados Unidos num contexto de interdependência profunda de sua economia com a chinesa, um dos motivos dos constantes recuos e adiamentos dos aumentos de tarifas decididos por Trump, pressionado por empresas e instituições do seu país prejudicadas pelo aumento do custo de importação, principalmente de bens intermediários.

“Aconteça o que acontecer, os EUA podem almejar ser apenas um poder entre vários. O mundo precisa desesperadamente de mecanismos que possam sustentar a provisão de bens públicos globais em um ambiente multipolar”, defende o economista Bradford DeLong, professor da Universidade da Califórnia.

A China, apesar de muito prejudicada pela disputa com os EUA, avança na reconversão da sua economia do mercado externo para o interno, acelera a substituição de importações na área crucial de tecnologia e inovação e prossegue na expansão de investimentos no exterior liderada pelo ambicioso programa de infraestrutura e transporte desenvolvido principalmente na Ásia Central denominado “Novas Rotas da Seda”.

O governo Bolsonaro, percebe-se, empenha-se em antecipar no Brasil o cenário apocalíptico descortinado por alguns especialistas. Ataca de modo sistemático as instituições, o meio ambiente, a economia nacional e a população mais frágil, acirra conflitos e estimula a luta entre os indivíduos e com isso deixa o País mais vulnerável às mudanças globais em curso e ao seu potencial devastador. Admitamos: não se trata de estelionato eleitoral. Durante a campanha e logo após tomar posse, o ex-capitão avisou. Em março, foi explícito: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós iremos construir coisas para o nosso povo. Temos de desconstruir muita coisa”.

Fonte: Carlos Drummond – Carta Capital

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