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Lula, sobre programas de combate à fome: tanto tempo para construir, tão fácil destruir

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RBA – Desde o golpe que em 2016 interrompeu 13 anos de governos petistas, a fome voltou a assolar o Brasil. Estudo realizado pelo IBGE entre junho de 2017 e julho de 2018 informa que 41% da população brasileira vive com algum tipo de insegurança alimentar. São 10 milhões os que passam fome, ou 5% da população brasileira.

Esse índice, que estava em 8,6% em 2003, havia caído a 3,6% em 2013. Um ano depois, em 2014, o Brasil deixava oficialmente o Mapa da Fome. Havia se tornado referência mundial com o programa Fome Zero, ponto de partida do combate à fome como política de Estado em pleno século 21. Em quase dois anos de governo Jair Bolsonaro, a extinção de equipamentos fundamentais, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), marca o desinteresse pelo tema.

“Quanto tempo para construir e como é fácil destruir”, lamentou nesta quinta-feira (15) o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, comparando o Coliseu, de Roma, na Itália, à situação do Brasil. Em live promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para a série de conferências Reflexões sobre o Brasil em Tempos de Pandemia, Lula falava sobre soberania alimentar. “Quase toda política de inclusão social que a gente constrói, a direita consegue destruir um poucos anos. No mundo inteiro acontece a mesma coisa. Massa salarial caindo, mão de obra mais barata, menos gente comendo, consumindo o que precisa pra sobreviver.”

Arroz para grávidas

O tema é caro ao ex-presidente que passou fome na infância no agreste nordestino. Quando de sua posse após a eleição de 2002, Lula afirmou: “Se, ao final de meu mandato, cada brasileiro puder se alimentar três vezes ao dia, terei realizado a missão da minha vida”. Arroz, lembrou Lula, era remédio. “Somente uma mulher depois do parto comia arroz. Se não voltava pra farinha de mandioca.”

Para o líder petista, apesar de novos dilemas relacionados a alimentação sustentável, ou a obesidade, o problema da fome continua e vem desde o começo da nação. “A elite que come, e que ganhou a eleição, não tem preocupação com quem não come. Como historicamente nunca tiveram.”

Combate à fome tem pressa

Para o ex-presidente o assunto é premente. “Quem tem fome não está no sindicato, não está na igreja. Tem vergonha de dizer, não sai de casa. Quem está na fila do sopão não tem orgulho. É um processo de degradação humana ter de mendigar um prato de alimento, esperar uma cesta básica”, disse, com conhecimento de causa.

“A gente deu um salto de qualidade, começou a falar de alimento saudável, que é mais caro, mas o povo está mais pobre. Como é que vai fazer para produzir esse alimento mais barato para que possa chegar pra todo mundo. Quantos prefeitos respeitam os 30% de alimento saudável comprados do pequeno produtor para a merenda?”, questionou.

“Quem está com fome não pode esperar. E fica muito mais vulnerável a doenças. Temos de discutir o papel da Embrapa, fundada em 1973. Hoje (a empresa) trabalha mais pensando em atender interesses empresarias que de pequenos e médios empresários. Uma empresa pública recebendo dinheiro para prestar serviço para o setor privado”, criticou.

Lula lembrou que o mundo já produz alimentos suficientes para sustentar a humanidade. “Entretanto não chega na casa do pobre porque ele não tem como pagar. Ah, se a gente pudesse garantir que toda criança tomasse um suco de laranja, não seriamos o maior exportador, mas o maior consumidor.”

Sem conselho

A live contou ainda com a participação da culinarista Bela Gil; da antropóloga e ex-presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Maria Emília Pacheco; da atriz Letícia Sabatela. Também de José Graziano da Silva, ex-presidente da FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, e de João Pedro Stedile, da Coordenação Nacional do MST.

Maria Emília lembrou que o Consea, criado em 1993, foi extinto pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, e retomado em 2003 com Lula. “No início do governo, Bolsonaro extinguiu o Consea e outros conselhos, numa decisão de cunho politico e ideológico bem significativo”, avalia a antropóloga. “Essa pouca historia que foi interrompida, construiu propostas e caminhos mais amplos que o combate à fome: a política nacional de segurança alimentar e nutricional. O direito que têm os povos de definir seus padrões de produção e de consumo. As diretrizes dessa politica já falavam de sustentabilidade, a política nacional de agroecologia, a produção orgânica.”

Assim como Lula, Maria Emília considera que “destruir e desconstruir são verbos que estão pautando nossa vida e interromperam essa história”. Ela lembra o apoio à produção da agricultura familiar camponesa e dos povos originários. “Não podemos esquecer o significado disso: eram 300 variedades de alimentos. Hoje vemos a erosão das nossas culturas alimentares.”

A antropóloga ressalta que antes mesmo do governo Bolsonaro, o país já vivia a redução da política de reforma agrária, a liberação de agrotóxicos, o desrespeito às terras indígenas. “Não podemos abdicar dessas grandes causas. Sem a reforma agrária e direitos territoriais não teremos assegurada soberania alimentar.”

Avanços da soberania

João Pedro Stedile destacou os avanços conquistados nos últimos 15 anos em relação à soberania alimentar do povo brasileiro. “O MST e quem luta por reforma agrária compreendeu que não basta lutar pela terra, dando centralidade à produção de alimentos saudáveis”, ressaltou.

“A função social do camponês e da agricultura é garantir a sobrevivência de todo o povo. Não adianta ficar esperando um governo revolucionário. Temos de fazer onde temos controle. Aprendemos que o alimento é direito. Então temos de combater a mercantilização do alimento nas mãos de grandes corporações. Avançar do conceito de direito para o de soberania alimentar: produzir comida de verdade para todo o povo e próximo do povo consumidor”, disse.

A agroecologia é considerada por Stedile outro grande avanço quando o tema é alimentação. “No início a gente achava coisa de bicho grilo, alternativa. Demoramos para entender que é possível e necessário produzir alimento em larga escala, como o nosso arroz, de forma agroecológica. Produção de sementes. Deveríamos abrir processo todo dia contra as empresas que estão matando nosso povo: 67% da água que chega nas casas brasileiras vem com glifosato. E ninguém responsabiliza quem produz isso”, criticou.

O líder do MST lembrou que nos Estado Unidos 52 mil fazendeiros adoecidos pelo trato com esse agrotóxico entraram na Justiça contra os fabricantes e ganharam mais de US$ 10 bilhões como indenização.

“Aprendemos também nesses anos que a água é alimento. E portanto não é mercadoria e devemos lutar para que todo povo tenha direito. Lutar contra a privatização”, disse.

Crise do capital

Stedile destacou também que “aprendemos quais são as políticas públicas que garantem soberania alimentar. O PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), o direito à compra antecipada dos alimentos. Imagine, 100% da merenda escolar ser da agricultura familiar, seria uma revolução. Com o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), as crianças comem o que as merendeiras sabem fazer. São 60 milhões de crianças.”

Para o líder do MST, o capitalismo está em crise. “E dando prova de que não resolve o problema de alimentação, emprego, moradia. Já é um sistema do atraso. Por isso, vai aprofundar as contradições e colocar as necessidades de discutirmos um sistema pós-capitalista para garantir comida saudável, emprego e renda para todo mundo”, avalia. “Só um sistema como o nosso pode garantir defesa do ambiente. E temos o papa Francisco do nosso lado, que vai nos ajudar muito a criar hegemonia da liberdade.”

Fonte: Cláudia Motta – Rede Brasil Atual (RBA)

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