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População miserável vive esquecida pelo estado em favela nascida nas Olimpíadas
Nas profundezas da Cidade de Deus, que tem um dos IDHs mais baixos do Rio, existe um lugar ainda mais esquecido pelas autoridades. A “favela da favela”, que surgiu no conjunto habitacional após a Olimpíada de 2016, é chamada pelos próprios moradores de brejo. Os vizinhos a conhecem como Guaranys, porque cresceu às margens da Estrada Comandante Guaranys. Diante de barracos de madeira tão precários que colocam em risco a vida de cerca de 2.500 pessoas que moram lá, de um altíssimo índice de desempregados e de muitas crianças fora da escola, a Defensoria entrou com uma ação civil pública e a Justiça determinou que fosse realizada uma perícia na localidade que sofre pela total falta de uma infraestrutura mínima.
Para evitar uma tragédia, a população da comunidade criou regras rígidas que inviabilizam até o uso de um simples chuveiro elétrico. Por serem frágeis e feitas com poucos recursos, as casas estão sujeitas a incêndios. Como aconteceu há uns dois anos, quando um curto-circuito numa das residências quase destruiu outras quatro e, por pouco, não transformou tudo em cinzas. Hoje, toda a área, que abrange as ruas do Céu, do Amor e da Portelinha, só recorre ao “gato” — ligação clandestina — para ter o básico: água e luz.
A defensora Maria Júlia Miranda, coordenadora do Núcleo de Terras e Habitação, explica que a ação judicial está em fase de produção de provas, mas ela se preocupa:
— Todos ali vivem numa vulnerabilidade muito grande.
Enquanto a Justiça não bate o martelo e os serviços públicos não chegam, cerca de 50 voluntários do projeto Nóiz, criado por um grupo de amigos, deram início a ações sociais, principalmente, de educação infantil e de cursos de profissionalização. O primeiro deverá ser de instalação hidráulica predial, que já tem até fila de interessados.
O projeto pretende fazer um diagnóstico social do lugar que reúne histórias como a de Joana Célia da Conceição, de 52 anos, que sobrevive de uma birosca onde vende de biscoito a cachaça. É uma das poucas a ter um ganha-pão. Conquista de uma vida dura em que perdeu sete dos 12 filhos. Atualmente, ela mora com os cinco que restaram e a nova geração que chegou. A filha Suelen, de 19 anos, que já lhe deu um neto e está grávida de outro, e Cyntia, de 20, que também tem um garoto. Na escadinha, estão ainda Leylane da Conceição, de 13, Luana, de 12, e Liliane, de 7. Todos se espremem num único cômodo e dão conta de dormir num velho sofá ou no chão.
—A gente ri para não chorar — diz Joana, que por toda a vida foi faxineira na construção civil e há cinco meses está desempregada.
Ainda sem solução para todos os problemas, o Nóiz tenta oferecer atividades que melhorem a autoestima e levem alegria para a comunidade. Como noticiou a coluna de Ancelmo Gois, o artista plástico Jorge Luís Gomes foi convidado a pintar as crianças como super-heróis. Um dos modelos é Enzo ou Batman, de 5 anos,que nunca foi à escola — porque os pais alegam não terem conseguido vaga. Ele chegou, aos 2 anos, ao Brejo, vindo com a família da Bahia.
— Para sobreviver aqui, eles precisam de superpoderes — acredita Jorge.
Fundador do Nóiz, o publicitário André Melo afirma que luta para que as crianças tenham um futuro:
SEM VAGA EM CRECHE
Apesar de famílias reclamarem da falta de vagas, a Secretaria municipal de Educação, por nota, informou que a rede conta hoje com 1.472 alunos de educação infantil (creche e pré-escola) matriculados na Cidade de Deus. O órgão não fez, no entanto, um recorte para o Brejo, que não conta com estatísticas à parte. A pasta disse ainda que há hoje cerca de 76 mil crianças em creches e EDIs (Espaços de Desenvolvimento Infantil) e unidades conveniadas. Mas reconheceu que atualmente há 35.258 crianças na fila de espera por uma creche. Uma das promessas do prefeito Marcelo Crivella é criar mais 20 mil vagas em creches até 2020, número que já está bem abaixo da demanda atual do município.
De acordo com a secretaria, pais e responsáveis que não matricularam seus filhos no período formal de atendimento este ano devem buscar orientação junto à Coordenadoria Regional de Educação.
Fonte: O Globo.